sábado, 28 de julho de 2007

Vivendo e morrendo de cinema no Brasil

A ciência explica: uma rica mina de ouro subterrânea continua a dar frutos mesmo após muito tempo de exploração. Como uma fonte que verte água até se esgotar.

O cinema de Vieira Filho (1917-1997) é assim. Dez anos após sua morte, um filme nunca lançado antes em circuito comercial foi descoberto na casa onde morava, dentro do armário de temperos da cozinha. A fita era desconhecida até para os familiares. “A cozinha era o lugar preferido dele, e desde que morreu, nunca mais entramos nela. Dói muito recordar, por isso só pedimos delivery”, diz a viúva Jurema Vieira. “A nova faxineira não foi informada de que não podia entrar na cozinha, e sem querer trouxe à tona esse filme inédito que mata um pouco da nossa saudade”.

De acordo com o cineasta Hugo Massimani, amigo da família (que agora está reeditando em dvd as obras de Vieira Filho), há chances de mais filmes secretos e peças inacabadas serem encontradas nas dependências da cozinha da casa. “Era da natureza do Vieirinha fazer esse tipo de brincadeira de esconde-esconde”, relata. “Graças a esse espírito brincalhão e descuidado dele, acho que vamos esbarrar em verdadeiras pérolas na busca minuciosa que estamos fazendo nos armários, jarros, potes de conserva, eletrodomésticos e ralos da cozinha”, se entusiasma o cineasta.

A bobina do filme (aparentemente sem título) encontrado no armário da cozinha está em péssimas condições de preservação. Dentro da lata enferrujada, o rolo do filme veio acompanhado de uma longa carta de Vieira Filho destinada a seu irmão mais novo.

“Fiquei emocionado demais com esse recado”, diz Júlio Vieira. “Não entendi nada do que ele diz na carta, mas entre os trechos ilegíveis, consegui identificar várias vezes a palavra ‘mandioquinha’, tema do filme dele Pequerrucha Pelourinho, que é meu favorito dele”, revela. “Ele sabia que eu adorava o ‘Pequepê’, que é como eu chamava carinhosamente o filme. Não éramos irmãos muito próximos, mas agora sei que, no fundo, ele se importava comigo”.

A recente descoberta desenterra a obra e a vida de um dos maiores cineastas do Brasil. Polêmico, contundente e controverso, Vieira filho teve uma infância difícil em Campinas, mas alcançou o sucesso na direção cinematográfica após breve passagem mal-sucedida como professor universitário.

Morreu tragicamente aos 80 anos, deixando como legado mais de 10 filmes longa-metragem e uma mensagem de otimismo para o cinema nacional. “Ele próprio foi um manifesto”, diz Massimani. “A resposta para a pergunta fundamental sobre a possível evolução do cinema brasileiro veio dele: sim, dá pra viver de cinema no país – mas também dá pra morrer de cinema”.


Do lixo ao luxo

A inconstância dos takes, a irregularidade ideológica e a linguagem frenética, quase esquizofrênica dos filmes de Vieira Filho refletem a montanha-russa de emoções que foi sua existência. Infância difícil, adolescência tardia e velhice precoce, Vieira Filho nunca se encaixou e nunca se adequou a nenhuma situação – não levantou bandeira nenhuma, muito menos a sua. Nas primeiras experiências com a câmera, deixou em evidência sua baixa auto-estima e seu complexo de inferioridade. Em Vigor, Talco nos olhos e Este lado para cima, da década de 60, seu principal material de trabalho é a tortura e a auto-flagelação (que o diretor praticava constantemente com galhos de arruda e vinagre de maçã).

Já em Manjar dos deuses, ele passa a praticar a gula como ato de auto-piedade. Apesar de esquelético, desenvolveu uma relação paranóica com os alimentos até o fim de sua vida. Em uma declaração do período de realização do curta-metragem, Vieira Filho relatou sua impotência: “Eu como, como e como para me maltratar, mas não engordo. É como se nem a comida me suportasse”.

Coisa-peixe é o mais poderoso de seus curtas. Um homem que acredita ser uma carpa diferente das outras – já que vive fora d’água – tenta se punir deixando suas escamas por onde passa. Assim, poderá extinguir-se aos poucos e finalmente voltar à Lagoa Rodrigo de Freitas, seu verdadeiro lar. A forte cena na qual o homem toma conhecimento de que é uma carpa-mutante, com Frank Sinatra de fundo musical, fez escola no 1º Festival de Cinema do Asilo-Colônia de Pirapitingui de 1961.

O curta Anacoluto coincide com o magistério de Vieira Filho e já é uma prévia do que viria ser sua ‘trilogia da palavra’, da década de 70. A fracassada aventura como professor de lingüística fez com que ele desejasse se vingar do mundo da educação, que tantas humilhações lhe rendeu. Acusado de dislexia, incompetência didática e de usar uma quantidade excessiva e desnecessária de giz, foi expulso do corpo docente da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com justa causa. E sob vaias.

Veio então o primeiro longa-metragem, Gônadas (1971), financiado com o dinheiro da aposentadoria de sua mãe (sem o consentimento da mesma). Foi um fracasso total de bilheteria devido ao forte e incômodo tema (amor entre duas pessoas) e considerado imaturo para um cineasta estreante de 56 anos de idade. A crítica rechaçou fotograma por fotograma de seu filme e criou uma indisposição que viria a ser conflitante entre cineasta e crítica especializada.

Abalado e confuso, dois anos depois lança Meu primeiro longa vai ser um sucesso, que conta a história de um cineasta estreante de 56 anos que é criticado por seu primeiro filme e acaba assassinando brutalmente todos os críticos de cinema com um porrete. A trama muito familiar ao universo fílmico vieirafilhoano ganhou o prêmio da Associação dos Críticos de Cinema de São Paulo.

A experiência humilhante como professor de lingüística já citada manifestou-se de forma recorrente na filmografia do diretor: sua “trilogia da palavra” já foi comparada à “trilogia da incomunicabilidade” de Antonioni e às três primeiras temporadas da Família Trapo. Palimpsestos, O rébus da bigorna e Ben Mu Dlin (também conhecido como Água-rás) formam a expressão maior da obra de Vieira Filho, considerada sua obra-prima. Os três filmes não têm nenhuma ligação entre si, a não ser o banho de sangue derramado – principalmente no metalingüístico Blen Mu Dlin, no qual os protagonistas só conseguem se comunicar através de onomatopéias e, cientes disso, matam-se desesperadamente uns aos outros utilizando interjeições como armas.

Deixando de lado a violência e a crueldade inerentes ao ser humano, Vieira Filho entra em uma nova fase de sua carreira. Já na casa dos 70 anos, se dedica a destrinchar, de maneira bem-humorada e acessível, o universo da puberdade: Banho-Maria só tem atores abaixo dos 3 anos de idade e é protagonizado por uma couve ainda em flor; Pequerrucha Pelourinho e Bife a cavalo, sua obra mais madura, mostram como Vieira Filho conseguia passar de um tema pesado e denso para outro bem mais leve (excesso de sal na comida) com maestria. A osteoporose também aparece como objeto de estudo em Banho-Maria, e se pode até dizer que o diretor evitava encarar sua velhice. Sentia-se uma criança, como disse em entrevista ao Correio Popular em 1985: “Sinto-me uma criança”.

Sempre polêmico e além de seu tempo, no entanto, o sexo não existe em seus filmes. A sexualidade do próprio diretor foi bastante debatida na mídia: “nasci em Campinas, meu bem, mas não sou gay”. Mesmo na sua obra mais notadamente sexual, Mastro em riste, não há insinuações de desejo, fornicação ou sacanagem – em certo momento, os 76 marujos (sem comida, sem roupas e sem destino) confinados no navio danificado e condenado à eterna deriva anseiam pelo último suculento mamão-papaia que rola no convés. O sexo sempre vem por último. Em Caniço e carniça, filme de menor duração do cineasta (167 minutos) – Vieira Filho não era adepto ao afeto entre seres humanos –, Juca quer desesperadamente dormir com Elisabete, que é surda. Como não há diálogos nesse longa-metragem, paira no ar a indagação de que Juca é mudo: só nos resta então contemplar a beleza fora de foco das cenas filmadas no depósito de lixo urbano, ao luar.

A penúltima obra de Vieira Filho (Bife à cavalo) ficou inacabada, mas ele a lançou mesmo assim, por problemas financeiros. Os produtores tomaram conhecimento a tempo (mais especificamente com 100 min de filme já rodado) que o dinheiro liberado para a produção fora utilizado para pagar o tratamento ortodôntico do diretor. Vieira Filho ficou então arrasado, sem um dente na boca e com um sonho destruído – ele passou 7 anos indo de tribunal em tribunal para adquirir os direitos de filmar o romance Vai pra luz, Amália, que viria a ser seu penúltimo filme. A autora do romance alegava que a demora no processo ocorreu por causa do tema polêmico da obra, que julgava não ser adequado para uma mídia visual.

Pois o experiente diretor provou sua competência ao transformar literatura em sétima arte. Em uma entrevista à TV Cultura em 1986, Vieira Filho desabafou: “Quem disse que canibalismo e cinema não andam juntos?”. “Meu filme prova que é possível extrair beleza até de pedra, ou restos humanos. Os críticos que metem a boca no meu trabalho não enxergam que o personagem não se alimenta de carne, mas sim de humanidade”, disse, com a boca frouxa e molhada por causa da falta de dentes – metáfora essa que sintetiza a obra e a vida de um dos únicos gênios do cinema brasileiro: um artista banguela que sofre de uma fome arrebatadora de novas idéias.

Toda a tensão transbordante do cinema de Vieira Filho deu as caras também nos filmes educativos que fez durante curto período, na ditadura militar. Foi convocado pelo INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), fundado por Roquette-Pinto, para concluir 5 produções, das quais finalizou 4: Engenhoca e sovaca (1977), Circulação do sangue na cauda do girino (1977) e a suíte gastronômica A gênese do toucinho e A gênese do painço (1980 e 1982, respectivamente). O 5º filme da série, Ordenha a vácuo, não chegou a ser nem escrito, pois Vieira Filho recusou o baixo salário oferecido. Depois de nova oferta do governo, mais atrativa, aceitou a missão, mas utilizou todos os 55 cruzeiros para comprar novas pantufas noturnas.

Já no fim de sua carreira, com quase 80 anos, o diretor sentia que sua morte era algo iminente. “Nunca desejei tanto o fim da minha vida. Sinto que estou próximo, mas não estou nem aí pra morte”, bradou em entrevista à TV Globo em 1996, a última de sua vida.

Mas não estava em seu destino tirar a vida com as próprias mãos, como tentou fazer algumas vezes, sem sucesso. Vieira Filho pode não ter gostado de viver, mas a vida gostou muito dele: para morrer, teria de ser empurrado para fora do palco da vida.

Em 1997, um homem de pochete e bigode, provavelmente não muito entusiasta de sua obra, o empurrou no trilho do trem do antigo VLT (veículo leve sobre trilhos) enquanto o diretor admirava o movimento dos vagões, um de seus hábitos preferidos. Quando jovem, morava próximo a linha ferroviária, e seu pai o levava para assaltar a carga dos vagões. “Quando meu pai começou a espancar minha mãe, meu herói e mestre morreu para mim num piscar de olhos”, escreveu em sua autobiografia, escrita em 1985 (Companhia das Letras, 23 p., R$ 3,50). “Doeu muito, mas tive de sair de casa com a roupa de corpo, sem meias e sem sapatos”. O menino de apenas 32 anos começava a vida definitivamente com o pé no chão, mas não perderia nunca o costume de voltar à ferrovia para recordar as poucas e boas lembranças de sua primeira infância.

O maquinista do trem que enviou o diretor à eternidade fica chocado até hoje com a terrível cena. “Foi horrível ver o homem todo empastelado embaixo do trem. Deu um trabalhão limpar as rodas depois. Ele ainda estava vivo quando o socorri, chorava feito um desmamado e repetia a palavra ‘mingau’ em vários tons diferentes, como se estivesse cantando”, revela. “Sei disso porque toco violão, e ele era muito desafinado. Como se estivesse ensaiando a própria morte”, recorda.

A viúva Jurema, que hoje administra o espólio de Vieira Filho, sofreu com a perda do companheiro de toda uma vida. “Mas acho que foi melhor assim. Ele morreu do jeito que viveu: deixando sua marca”, disse, em relato emocionado ao Correio Popular (18/03/1997). “Penso que ele não suportaria essa loucura do mundo de hoje. O trem o poupou disso”.

Do lixo ao luxo. Imaculado e profano. Visceral e monótono. Assim foi o homem e seu cinema.



FILMOGRAFIA

1961 - Vigor (curta)
1961 - Coisa-peixe
(curta)
1965 - Manjar dos deuses (curta)
1967 - Este lado para cima (curta)
1970 - Talco nos olhos (curta)
1970 - Anacoluto (curta)
1971 - Gônadas
1973 - Meu primeiro longa vai ser um sucesso
1974 - Palimpsestos em chamas
1975 - O rébus da bigorna
1976 - Blen Mu Dlin (Água-rás)
1977 - Engenhoca e sovaca
(curta)
1977 - Circulação do sangue na cauda do girino (curta)
1980 - A gênese do toucinho (curta)
1982 - A gênese do painço (curta)
1984 - Banho-Maria
1984 - Caniço e carniça
1985 - Pequerrucha Pelourinho
1986 - Bife à cavalo
1990 - Mastro em riste

quarta-feira, 25 de julho de 2007

(Ainda) tem alguém aí?

Ironicamente, depois do último post - onde comentei quão ativo seria o mês de julho - nenhuma viva alma passa por aqui.

Nesse momento, enquanto tiro o pó e as teias de aranha do ambiente, aproveito para indicar, em poucas linhas, um filme a que assisti ontem: “Saneamento Básico”.


A história é sobre uma pequena comunidade no Rio Grande do Sul que sofre com problemas de esgoto. Para tentar reverter a situação, Marina (Fernanda Torres) descobre que há a possibilidade de se fazer um vídeo para o qual a prefeitura tem verba disponível. Com seu marido Joaquim (Wagner Moura), a irmã Silene (Camila Pitanga), o cunhado Fabrício (Bruno Garcia) e seu pai Otaviano (Paulo José), Marina começa a trabalhar na produção do curta de 10 minutos que pode melhorar a condição de vida dos habitantes da Linha Cristal.

Confesso que não sou das maiores fãs do Jorge Furtado, mas se a Fernanda Torres for dirigida por qualquer um que estiver na rua e a convide para fazer um filme, eu vejo!
É bobagem, porém, dizer isso depois de assistir à seqüência em que os personagens assistem ao filme que fizeram e a atriz provoca risos incondicionais seguidos de uma emoção instantânea. Em meio à gargalhadas e angústia, mais uma vez Fernanda entretém como ninguém. Arrisco até a dizer que ri mais com sua personagem em ‘Saneamento Básico’ do que em ‘Os Normais’, mesmo sendo uma difícil disputa.

Além dela, Camila Pitanga mostra-se talentosa para comédia em cenas hilárias. Wagner Moura, Bruno Garcia e Paulo José dispensam comentários.

Com momentos emotivos, críticos e engraçados, o filme serve até como aula para se fazer cinema e, principalmente, questiona: cuidar da saúde OU cuidar da cultura do País? Cuidar da saúde E da cultura?

A(s) pergunta(s) cai(em) bem para o Brasil. No filme, pelo menos, cultura e saúde são contempladas. Já é um começo...

[Pela atenção, muito obrigado...da! ObrigadA porque concorda com o gênero.(Essa é pra quem viu!)]

terça-feira, 10 de julho de 2007

Um mês agitado

A eleição das sete novas maravilhas do mundo e o Live Earth unificaram o planeta em duas ações grandiosas nesse mês de julho. A primeira fala por si só e a segunda consistiu em concertos espalhados por 7 continentes, em 9 cidades - entre elas o Rio de Janeiro.

Confesso que não me importei com a votação das maravilhas. Tomei conhecimento no dia em que se encerrava - como boa jornalista - e tentei votar nas últimas 4 horas - como boa brasileira. Resultado: não computei meu voto para o cristo redentor e, mesmo sem minha colaboração, o monumento carioca conquistou o terceiro lugar.

Já para o Live Earth, com propagandas e pronunciamentos do Al Gore pelo mundo, destinei mais atenção.
Os shows do Brasil, com Xuxa exclamando o quanto o evento era 'de todos' e não apenas dos americanos, foram encerrados com Lenny Kravitz e, apesar do reforço nacionalista da rainha dos baixinhos, não há como negar que o cantor norte-americano foi o mais aguardado do dia 07/07/07 na praia de Copacabana.

Enquanto isso, na literatura..

Teve fim no último domingo, a Festa Literária Internacional de Parati (a famosa Flip), com aproximadamente 6 mil visitantes a mais do que no ano passado. Apesar dos problemas com alto preço da comida e super lotação para pouca estrutura, a Flip contou com um grande número de autores se dispondo a fazer leituras e comentar suas obras. Além disso, deixa um filhote: o primeiro Fórum das Letras em Ouro Preto. O 'Flop', começa hoje e vai até o dia 15 de julho, com participações internacionais e nacionais, como Jean Paul Delfino, da França e o brasileiro Zuenir Ventura.

Tudo isso aconteceu(endo) e não estamos nem na metade de julho.
Vou precisar tomar muito café pra aguentar...Embora não tenha participado de nenhum dos eventos.
Sou solidária, desculpe!

*Marina Aranha descobriu que em todas as férias acontece a mesma coisa: termina viciada em E.R. A Abby é muito legal, vai! Vou..tomar café! Até.

sábado, 7 de julho de 2007

E Nostradamus se deu bem

Quando foi inventada a imprensa tipográfica e o jornalismo começava a engatinhar, ainda banguela e sem cabelos, alguma anta lançou o famoso chavão jornalístico que tenta definir o termo notícia. Desde então, a típica frase "se um cachorro morde um homem, não é notícia; se um homem morde um cachorro, aí sim vira notícia" vem sendo remoída, realimentada e regurgitada em 11 de cada 10 livros dedicados ao jornalismo.

Bom.

E não é que virou notícia mesmo?

Homem mata cão a mordidas em vilarejo na China

Talvez agora Gutenberg possa descansar.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Sábia Vani

O jornal britânico 'The Guardian' publicou, no último sábado, a lista dos 'mil filmes para se ver antes de morrer' (pobre rima para '1000 films to see before you die').
Nessa lista, não só a tradução brasileira para o título passa vergonha, como a sua presença cinematográfica: apenas 4, entre os 1000 títulos são do País.

“Pixote - a lei do mais fraco”, de 1981, dirigido por Hector Babendo é o primeiro a aparecer. Em seguida, “O beijo da mulher aranha”, de 1985, do mesmo diretor.
Além desses, os outros títulos que fazem parte da lista são velhos conhecidos do público brasileiro, com o perdão da má escolha das palavras. Esclareço: não pelo ano produzido, mas ‘velhos conhecidos’ por sua grande expressão no País, "Central do Brasil" (1998) e "Cidade de Deus" (2001), dirigidos, respectivamente, por Walter Salles e Fernando Meirelles.

E acreditem ou não na ironia do destino, "Bad Santa" está lá!

Para isso deve haver uma explicação!
Não ouso procurá-la, porém – quem quiser - há de se concordar que uma lista feita por um diário conhecido mundialmente conta com filmes também conhecidos mundialmente e isso leva ao fato de que grandes produções artísticas do Brasil ou qualquer outro país que não tiveram projeção lucrativa ou publicitária nos cinemas, não constarão como películas que devam ser vistas antes da sua morte (!).

No entanto, sabe-se que a escolha é de cada um e eu – embora não interesse – ainda opto por abolir "Bad Santa" e achar incrível "Os Normais" afinal, comédia por comédia, o que é nosso é nosso!
E viva às frases esclarecedoras!

Enquanto isso, aqui no Brasil, o cinema novo de Glauber Rocha – ignorado pela lista – tem papel importante graças à sua inovação, que influenciou gerações de cineastas.
Já entre os grandes colaboradores do cinema nacional hoje, Selton Mello é um dos primeiros da fila. Com seu programa ‘Tarja Preta’ no Canal Brasil, apresenta personalidades nacionais em uma espécie de resgate histórico do cinema. Atuando, tem grandes performances na TV, no cinema e até em curtas-metragens, como em
“Tarantino’s Mind”.

Decida seus mil filmes – ou mais, ou menos – e assista-os.
Sem listas.
O melhor é se decepcionar ou se surpreender por conta própria, pensando depois e tirando suas próprias conclusões. Afinal, como disse a saudosa Vani, noiva do Rui, filmes americanos, que durante são ótimos, podem não ser tão bons assim, se você parar para pensar depois de assistir.

Incontáveis as vezes que isso já aconteceu comigo.

Alguém mais, alguém mais?

*Marina Aranha não tem criatividade. As aulas da faculdade não surtiram efeito.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Programa especial Frank Zappa



Apresento orgulhosamente um dos primeiros produtos feitos em sala de aula que foram, digamos, realmente gratificantes.

O programa tem 25 minutos e foi escrito e produzido por Fábio Bonillo (locução), Giovanna Risardo (locução), José Antonio Picelli e Rodrigo Levy para avaliação final da disciplina Radiojornalismo A, na nossa saudosa e eterna fonte de stress, coceiras, tumores e outras patologias, PUC-Campinas.

O tema do trabalho é de difícil tratamento. Geralmente o Zappa é pintado como um doido varrido que fazia música intragável ou então como um pretensioso velho babão que nunca seria levado a sério. Esperamos que com o programa – cheio de pequenas falhas por causa do tempo estreito e da ansiedade – ele seja encarado do jeito que ele sempre quis ser encarado: um cidadão normal, que pagava seus impostos, alimentava quatro filhos, e que um dia seria esquecido, como todo mundo. Felizmente, ele deixou rastros.

É preciso ter muito pêlo no peito pra dar a cara pra bater, como ele fez.


Retratação
Alguns erros de apuração: no programa, é dito que a gravadora independente de Zappa era a Bizarre Records. De fato, a Bizarre lançou grande parte dos discos com os Mothers of Invention, mas não passava de uma entidade semi-independente, uma sub-divisão de "fachada" da própria MGM Records. Zappa tinha já criado as gravadoras DiscReet (que acabou por causa de um processo que ele meteu na Warner Bros., que controlava a distribuição), a Zappa Records, em 1977, e depois a Barking Pumpkin (1981). Portanto, sua verdadeira gravadora independente era a Zappa / Barking Pumpkin Records.

O compositor de vanguarda Edgar Varèse nasceu em 1883 e morreu na metade da decada de 60. Desde 1906 Varèse já experimentava suas loucuras sonoras, mas talvez a mais famosa de suas obras seja Poème électronique, de 1957. O primeiro disco que Frank Zappa comprou na vida, The Complete Works of Edgard Varèse, Volume I, continha as músicas Integrales, Density 21.5, Ionization, Octandre, todas da década de 20 e 30.

Outra 'falha' foi não dizer o nome das músicas que são tocadas durante a apresentação. Mas acredito isso só seria viável num programa mais extenso, no qual as músicas fossem tocadas inteiras (o que foi impossível nesse programa) e não apenas trechos.

De qualquer modo, as músicas aparecem exatamente nessa mesma ordem: Hungry Freaks, Daddy, Concerto For Two Bicycles, Pre-Recorded Tape & Instrumental Ensemble, Montana, Zombie Woof, Jimi Hendrix - Star Spangled Banner, Sofa nº 1, Go Cry On Somebody Else's Shoulder, Black Napkins, Wowie Zowie, The Return Of The Son Of Monster Magner, St. Etienne, Don't You Ever Wash That Thing?, Fembot in a Wet T-Shirt, Watermelon on Easter Hay, Dog Breath Variations, G-Spot Tornado, Let's Make The Water Turn Black, Tinseltown Rebellion, Uncle Meat, Camarillo Brillo, Dummy Up, Karnak - Elza, Hermeto Pascoal - Taiane, Arrigo Barnabé - Clara Crocodilo, Brown Shoes Don't Make It, The Gumbo Variations

No que diz respeito à certidão de nascimento do guitarrista, seu nome verdadeiro era... Frank Vincent Zappa. O próprio músico achou que seu nome era Francis – nome que, aliás, odiava –, até o dia em que precisou tirar passaporte para fazer sua primeira turnê européia: de acordo com ele em seu livro The Real Frank Zappa Book), sua mãe enviou sua certidão de nascimento ("um documento misterioso que eu nunca tinha visto antes") por correio e ele tomou conhecimento, pela primeira vez, de que seu verdadeiro nome era Frank. Inclusive, na capa do álbum Lumpy Gravy lê-se "Francis Vincent Zappa conducts".

Bom proveito e boa diversão!

Doença da meia-noite

Vai ser um inferno quando eu terminar Garotos incríveis, do Michael Chabon. É um daqueles livros seminais, pedra fundamental de certa fase da sua vida que vai acabar abruptamente quando você virar a página 331. Escrito há 12 anos atrás, virou até filme com Michael Douglas, dirigido pelo Curtis Hanson e ganhou Oscar de melhor música – Bob Dylan, em pessoa. Mas só isso não me satisfaz. Não vi nem quero vê-lo tão cedo assim. Nesse caso específico, a “imortalidade” da história transcrita em película não me dá tantos sinais de que os bons tempos voltaram e vou gozar novamente.



abram-se enormes parênteses: (foi exatamente assim (mas em outros termos) quando terminei Crime e castigo, depois de alguns bons meses, depois de alguns bons anos decifrando cada parágrafo monstruoso e cada sentença milimetricamente construída com uma pinça pelas mãos de Dostoievski. E foi assim quando vi Laranja Mecânica pela primeira vez, estuprado visualmente (Freud explica) e agarrado pelo estômago pra dentro da tela. E foi assim com A insustentável leveza do ser, e com “Black Napkins” do Frank Zappa, e com Crimes e pecados do Woody Allen, e com...)

Em Garotos incríveis, um escritor de meia-idade, maconheiro e irresponsável – e com um tremendo senso de humor – não consegue terminar um livro extenso que começou a escrever há mais de 7 anos. 2600 páginas depois, com a companhia de um bizarro e talentoso aluno da universidade (obcecado com os suicidas de Hollywood), uma aluna apaixonada por ele e seu editor tarado, desenrolam-se as desventuras de um homem comum, errante, desvirtuado, cujas perspectivas de vida não vão além do desejo de fumar um grande e gordo baseado no banco traseiro de seu carro. Grady Tripp sente um desprezo pela própria pessoa. Destruiu a vida de muitas pessoas, e sua consciência agora pesa tanto quanto seu manuscrito de “Wonder Boys”, calhamaço inacabado de personagens que vagam perdidas no tempo e no espaço.

Desrespeitando todas as leis de direitos autorais, saco a arma da reprodução desenfreada e atiro aqui, na cara do leitor, um de meus trechos preferidos, que acredito que definem o livro de Michael Chabon – e muito pretensamente, minha identificação pessoal com a obra.

Como Albert Vetch, ele parecia simultaneamente assombrado e desatento, o tipo de pessoa que num momento podia adivinhar, com frieza de tirar o fôlego, a tristeza mais profunda no coração dos outros, e no momento seguinte virar-se e, com um aceno de despedida alegre, marchar impassível através de uma porta de vidro, precisando de vinte e dois pontos na bochecha.
Foi na aula desse sujeito que me perguntei pela primeira vez se as pessoas que escreviam ficção não sofriam de algum tipo de desordem – sobre a qual comecei a pensar, lembrando do louco balanço noturno de Albert Vetch, como a doença da meia-noite. A doença da meia-noite é uma espécie de insônia emocional – a cada momento consciente a vítima - mesmo se escreve de manhã cedo ou no meio da tarde – sente-se uma pessoa deitada num quarto sufocante, com a janela aberta, olhando para um céu cheio de estrelas e aviões, ouvindo a narrativa de uma persiana barulhenta, uma ambulância, uma mosca presa numa garrafa de Coca, enquanto ao redor os vizinhos dormem a sono solto. Na minha opinião é por isso que os escritores – como os insones – são tão propensos a acidentes, tão obcecados com o cálculo do azar e das oportunidades perdidas, tão dados à ruminação e à incapacidade de abandor um assunto, mesmo quando lhe pedem repetidamente para fazê-lo.

Como Tripp adia o fim indefinido de seu Ulisses particular, adiarei o término dessa leitura, uma das mais prazerosas que já tive.

Mas não aguentarei 7 anos, nem fodendo.


* Fábio Bonillo está lendo Os subterrâneos, de Jack Kerouac, O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, Introdução a análise do discurso, de Helena Brandão, Modern News Reporting, de Carl Warren, e Revista Mad #130 ao mesmo tempo.