Vai ser um inferno quando eu terminar Garotos incríveis, do Michael Chabon. É um daqueles livros seminais, pedra fundamental de certa fase da sua vida que vai acabar abruptamente quando você virar a página 331. Escrito há 12 anos atrás, virou até filme com Michael Douglas, dirigido pelo Curtis Hanson e ganhou Oscar de melhor música – Bob Dylan, em pessoa. Mas só isso não me satisfaz. Não vi nem quero vê-lo tão cedo assim. Nesse caso específico, a “imortalidade” da história transcrita em película não me dá tantos sinais de que os bons tempos voltaram e vou gozar novamente.

abram-se enormes parênteses: (foi exatamente assim (mas em outros termos) quando terminei Crime e castigo, depois de alguns bons meses, depois de alguns bons anos decifrando cada parágrafo monstruoso e cada sentença milimetricamente construída com uma pinça pelas mãos de Dostoievski. E foi assim quando vi Laranja Mecânica pela primeira vez, estuprado visualmente (Freud explica) e agarrado pelo estômago pra dentro da tela. E foi assim com A insustentável leveza do ser, e com “Black Napkins” do Frank Zappa, e com Crimes e pecados do Woody Allen, e com...)
Em Garotos incríveis, um escritor de meia-idade, maconheiro e irresponsável – e com um tremendo senso de humor – não consegue terminar um livro extenso que começou a escrever há mais de 7 anos. 2600 páginas depois, com a companhia de um bizarro e talentoso aluno da universidade (obcecado com os suicidas de Hollywood), uma aluna apaixonada por ele e seu editor tarado, desenrolam-se as desventuras de um homem comum, errante, desvirtuado, cujas perspectivas de vida não vão além do desejo de fumar um grande e gordo baseado no banco traseiro de seu carro. Grady Tripp sente um desprezo pela própria pessoa. Destruiu a vida de muitas pessoas, e sua consciência agora pesa tanto quanto seu manuscrito de “Wonder Boys”, calhamaço inacabado de personagens que vagam perdidas no tempo e no espaço.
Desrespeitando todas as leis de direitos autorais, saco a arma da reprodução desenfreada e atiro aqui, na cara do leitor, um de meus trechos preferidos, que acredito que definem o livro de Michael Chabon – e muito pretensamente, minha identificação pessoal com a obra.
Mas não aguentarei 7 anos, nem fodendo.
* Fábio Bonillo está lendo Os subterrâneos, de Jack Kerouac, O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, Introdução a análise do discurso, de Helena Brandão, Modern News Reporting, de Carl Warren, e Revista Mad #130 ao mesmo tempo.

abram-se enormes parênteses: (foi exatamente assim (mas em outros termos) quando terminei Crime e castigo, depois de alguns bons meses, depois de alguns bons anos decifrando cada parágrafo monstruoso e cada sentença milimetricamente construída com uma pinça pelas mãos de Dostoievski. E foi assim quando vi Laranja Mecânica pela primeira vez, estuprado visualmente (Freud explica) e agarrado pelo estômago pra dentro da tela. E foi assim com A insustentável leveza do ser, e com “Black Napkins” do Frank Zappa, e com Crimes e pecados do Woody Allen, e com...)
Em Garotos incríveis, um escritor de meia-idade, maconheiro e irresponsável – e com um tremendo senso de humor – não consegue terminar um livro extenso que começou a escrever há mais de 7 anos. 2600 páginas depois, com a companhia de um bizarro e talentoso aluno da universidade (obcecado com os suicidas de Hollywood), uma aluna apaixonada por ele e seu editor tarado, desenrolam-se as desventuras de um homem comum, errante, desvirtuado, cujas perspectivas de vida não vão além do desejo de fumar um grande e gordo baseado no banco traseiro de seu carro. Grady Tripp sente um desprezo pela própria pessoa. Destruiu a vida de muitas pessoas, e sua consciência agora pesa tanto quanto seu manuscrito de “Wonder Boys”, calhamaço inacabado de personagens que vagam perdidas no tempo e no espaço.
Desrespeitando todas as leis de direitos autorais, saco a arma da reprodução desenfreada e atiro aqui, na cara do leitor, um de meus trechos preferidos, que acredito que definem o livro de Michael Chabon – e muito pretensamente, minha identificação pessoal com a obra.
Como Albert Vetch, ele parecia simultaneamente assombrado e desatento, o tipo de pessoa que num momento podia adivinhar, com frieza de tirar o fôlego, a tristeza mais profunda no coração dos outros, e no momento seguinte virar-se e, com um aceno de despedida alegre, marchar impassível através de uma porta de vidro, precisando de vinte e dois pontos na bochecha.Como Tripp adia o fim indefinido de seu Ulisses particular, adiarei o término dessa leitura, uma das mais prazerosas que já tive.
Foi na aula desse sujeito que me perguntei pela primeira vez se as pessoas que escreviam ficção não sofriam de algum tipo de desordem – sobre a qual comecei a pensar, lembrando do louco balanço noturno de Albert Vetch, como a doença da meia-noite. A doença da meia-noite é uma espécie de insônia emocional – a cada momento consciente a vítima - mesmo se escreve de manhã cedo ou no meio da tarde – sente-se uma pessoa deitada num quarto sufocante, com a janela aberta, olhando para um céu cheio de estrelas e aviões, ouvindo a narrativa de uma persiana barulhenta, uma ambulância, uma mosca presa numa garrafa de Coca, enquanto ao redor os vizinhos dormem a sono solto. Na minha opinião é por isso que os escritores – como os insones – são tão propensos a acidentes, tão obcecados com o cálculo do azar e das oportunidades perdidas, tão dados à ruminação e à incapacidade de abandor um assunto, mesmo quando lhe pedem repetidamente para fazê-lo.
Mas não aguentarei 7 anos, nem fodendo.
* Fábio Bonillo está lendo Os subterrâneos, de Jack Kerouac, O amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence, Introdução a análise do discurso, de Helena Brandão, Modern News Reporting, de Carl Warren, e Revista Mad #130 ao mesmo tempo.
2 comentários:
amigo.
me empresta o livro, pq o filme eu já vi e é exelente.
bjosmeliga
Nada como ler dezenas de livros simultaneamente.... ainda quero ler este...
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