sexta-feira, 15 de junho de 2007

A caretice na psicodelia musical brasileira (ou vice-versa)

Quem vê o senhor distinto, boa-pinta e de fino trato apresentando um programa de variedades direcionado ao universo feminino na TV Gazeta não imagina quantas águas já rolaram para que ele conseguisse essas rugas de maneira tão natural e serena. As cicatrizes da velhice de Ronnie Von guardam histórias da música brasileira que nunca ninguém jamais contou.

Em 1968, Ronnie Von era muito mais moderno do que os jovens de hoje. Saiu do ambiente familiar de filho-de-pai-nobre e caiu na estrada: foi um dos precursores da música psicodélica brasileira (MPB?) ao lado da turma da Tropicália, de Walter Franco e outros malditos, antes de seguir a linha da Jovem Guarda e do bubblegum-pop. Lançou os Mutantes em seu programa musical na TV, fez experimentações musicais tão inovadoras quanto às de discos que marcaram época (como Pet Sounds, dos Beach Boys, e We’re Only In It For The Money, do Mothers of Invention) e contribuiu para abrir novos caminhos para a música brasileira. Quem diria que Ronaldo Lindenberg von Schilgem Cintra Nogueira, o Pequeno Príncipe, fez rock ‘n roll de verdade?

Ronnie Von - Ronnie Von (1968) Ronnie Von - A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império do Nuncamais Ronnie Von - A Máquina Voadora

A Universal acaba de relançar dois dos discos da “trilogia psicodélica” do cantor, Ronnie Von (1968), e A Máquina Voadora (1970), cometendo um deslize enorme ao não colocar no mercado A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império do Nuncamais, de 1969. No entanto, quem procurar em sebos especializados pode desembolsar algumas boas centenas de reais para adquirir os discos raríssimos. Para os não-afortunados, há sempre a internet.


Puxando os fios da memória
Em 1966, a beatlemania aproximou Os Mutantes do apresentador prodígio (foi ele, inclusive, quem batizou a banda com o nome definitivo). Seu programa, O Pequeno Mundo de Ronnie Von, que fazia referências a ficção científica, contos de fada, ocultismo e outras viagens, concorria com o programa Jovem Guarda, do “Rei” Roberto Carlos. Então com 22 anos, pretendia fazer do programa um palco de experimentações, de inovações musicais. Misturou rock com música barroca, Beatles, pop e música erudita. Queria mostrar que Ronnie Von não era só “Meu Bem”, versão pegajosa de uma música dos Beatles que estourou nas paradas de sucesso e o levou ao estrelato.

Ronnie Von foi além, e criou músicas como “Meu novo cantar”, um maravilhoso poema cantado, a orquestrada “Pare de sonhar com estrelas distantes”, a balada-blues “Viva o chopp escuro”, a pesada e “A Máquina Voadora” e “Anarquia”, um emocionante grito de liberdade:

“Prepare tudo o que é seu / Veja se nada você esqueceu / Pois amanhã vamos pra rua fazer / Fazer uma tremenda anarquia / Pintar as ruas de alegria / Porque quem manda hoje somos nós, mais ninguém / E não ligamos pra quem vai nem quem vem atrapalhar”
Mesmo as versões de músicas de outros compositores, como “Comecei uma brincadeira” (I Started a Joke, dos Bee Gees), “Dindi” (Tom Jobim) e “Atlântida” (do contemporâneo Donovan) possuem originalidade e uma roupagem inteiramente nova.


Mais um capítulo felizmente inacabado
O assunto está tão “na moda” que chega a ser maçante a quantidade de notícias espalhadas por aí anunciando o relançamento dos discos do Ronnie Von. Como sempre, o jornalismo brasileiro se contenta em jogar na cara do leitor um fato isolado e, no máximo, faz uma pequena retrospectiva sobre o personagem. Resultado? O leitor conhece a história de “Ronnie Von, um rockeiro que não deu certo”, ou então, “Um vovô brega que foi louco por uns dias”.

Para destrinchar o passado e contextualizar Ronnie Von e toda a chamada psicodelia brasileira, um grupo da faculdade de jornalismo Cásper Líbero está produzindo um livro-reportagem chamado Um mergulho na geração bendita. No blog que acompanha os bastidores do projeto é possível ler entrevistas com o Ronnie Von, além de dados e outras fontes fundamentais desse período ainda obscuro do nosso país poço de riquezas perdidas a serem (novamente) resgatadas.

Então, prepare tudo que é seu.


* Fábio Bonillo não mais se envergonha de vir às lágrimas escutando Belchior e Guilherme Arantes

6 comentários:

marina aranha disse...

olha, o fábio é meio assim...
ele diz que conhece algumas bandas, mas eu sei que ele inventa.
ronnie von, pelo menos, todo mundo sabe que existe.
ainda bem que ele escolheu algo conhecido pra começar aqui no soma. e, diga-se de passagem, foi uma soma muito adequada.

meus parabéns, nerds!
(:

Anônimo disse...

Proposta do soma, adicionar conceitos inimaginaveis a visão pré-estabelecidas em nosso conhecimento.
Tenho um pai fã de Ronnie Von e sempre tirei sarro disso. É de lei, as 10 e tanto da noite, o sr Picelli Pai sintonizar a Gazeta para o seu fiel bate-papo com o cantor. Um bate-papo puxado para o monólogo de dois discursos, com Ronnie e seus entrevistados dentro da caixa televisiva e meu velho e seus comentários sobre o quão bom era quando o cantor e apresentador estava na ativa.
Há poucas semanas descobri que ele teve uma fase psicodélica e hoje foi a comprovação disso.
Promessa para mim mesmo: contextualizar R. Von e somar esse seu lado psicodélico ao conceito que tenho dele.

Bem vindo ao soma, amigo.

Anônimo disse...

Em primeiro lugar quero parabenizar o Fábio pelo espaço que nos proporciona para emitirmos nossas opiniões. Sucesso, saúde e grandes realizações a voce.

Uma coisa é uma coisa outra coisa é outra coisa.

Conhecer Ronnie Von através de jornais, revistas e comentários de pessoas que viveram o momento de 60 e 70 é uma coisa.

Outra coisa é ter presenciado ao vivo e em cores o nascimento do próprio Ronnie, Roberto Carlos, Chico Buarque, Elis, Simonal, Jair Rodrigues, Toquinho, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, etc. etc. etc. etc. etc.

Outra época, outra cultura, outro país, outras pessoas, juventude com outros ideais.

Difícil é ouvir Éguinha pocotó, Keli Kiiiiiiiii, Latino, Vanessa Camargo, Preta Gil, Sandy & Junior, etc. etc. etc.

Será que nós, mais velhos merecemos isso?

Meu querido filho exagerou um pouco quando diz que sou fã do Ronnie. Sou seu admirador e acho que ele faz um programa na TV interessante, não direcionado só para o lado feminino, mas como todos os outros também tem sua falha.

Um forte abraço a todos e até a proxima.

Salve salve simpatia.

Levy disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Levy disse...

Eu chorei ouvindo um gordinho cantar ópera no American Idol...
Tenho medo de quem não chora com pelo menos alguma música.
Conto com o Fábio para desenterrar filmes e músicas que valem a pena!
PS: Apesar deu ser obviamente o mais bundão dos Somas publicarei um post enorme e inútil na 4a feira...
Essa porra de blog deixou uma versão errada desse comentário ali constando que eu deletei! Que dedo duro...
abraços

Anônimo disse...

Por que será que indentifiquei o autor do post antes mesmo de ver assinatura? Bem, Sr. Fábio Bonillo, primeiro, pelo título (que tem a sua cara) e segundo, pela costura impecável das palavras e frases.
Sinto informa-lo, mas I´ll be back, beibe...
beijo

ps. guilherme arantes é o cara. e se o post se somou? somou.